Parece mas não é

Por Ale Farah
Mesmo usando volumes gigantescos de pesticidas, o Brasil é o maior produtor de algodão sustentável do planeta. Como? Através da certificação BCI. O livro “O Agronegócio do Algodão”, de Yamê Reis, explica.
Ele é imbatível, macio, maleável. Ele é popular, o mais usado,
representando 50% da produção global de fibras naturais. Na-tu-
ral? Nem tanto. Hoje, o algodão é uma planta programada em
laboratório. Nada natural. Quilos de fertilizantes, pesticidas e
afins. É triste mas é verdade.
A questão é o volume para suprir a demanda global
enlouquecida. E a exigência de preço baixo só piora.
E isso não vem de agora. Há mais de 4 mil anos o algodão faz
sucesso. Na Revolução Industrial, quando a humanidade fez a
transição para novos processos de manufatura, o algodão já era
parte fundamental da indústria do vestuário. Nesta época, ao ser
plantado nos trópicos e levado de navio para a
Inglaterra e lá transformado em fio e em tecido, o algodão
inaugurou a rede global de suprimentos.
“Conectando uma cadeia longa e diversificada, que ligava
trabalho escravo ao trabalho assalariado, o império do algodão
colaborou decisivamente para a criação do capitalismo
moderno”, diz Yamê Reis, na introdução de “O Agronegócio do
Algodão''.
Socióloga, estilista e uma das fundadoras da Rio Ethical
Fashion, Yamê conhece tudo de moda e seu livro é fruto da foca
na transformação que o agronegócio brasileiro do algodão
passou nos últimos 30 anos. Um exemplo de como o capitalismo
se apropria dos valores da sustentabilidade para fazer grandes
negócios com base na equação: monoculturas + quantidades
abusivas de produtos químicos + pouca utilização de mão-de-
obra + degradação da biodiversidade.
A história do algodão do Brasil é assim: as lavouras foram
transferidas para o Cerrado, no centro oeste, nos anos 1990,
depois da praga do bicudo ter arrasado com as plantações que se
concentravam, majoritariamente, no nordeste brasileiro.
Pecuaristas e produtores de soja e milho do Cerrado passaram
então a plantar algodão para intercalar as safras. Com o
crescimento do fast-fashion, a demanda mundial pelo algodão
aumentou. Rapidamente, o agronegócio brasileiro se organizou e
o país passou de importador a um dos maiores produtores de
algodão do planeta no inicio dos anos 2000.
A estratégia de marketing para o crescimento das exportações?
Certificação. Como a sustentabilidade se tornou um novo valor
de consumo, para entrar na briga global e conquistar novos
clientes, a produção do algodão brasileiro aderiu ao certificado
Better Cotton Initiative ( BCI ), que garante ao trabalhador
melhores condições de trabalho. Ou seja, o selo BCI atende os
pilares econômico e social, mas não o ambiental. Mas ele abriu as
portas do mundo. E o mkt da Embrapa é forte. A Criou o
movimento “Sou do Algodão”, que patrocina eventos e
estilistas, e divulga o algodão brasileiro como sustentável.
Hoje, 90% da produção brasileira é certificada pelo BCI. Apenas
1% é algodão orgânico. Como o BCI libera o uso de
agrotóxicos, com aplicação média de 28 litros por hectare, o
volume do veneno no algodão brasileiro equivale a cerca de
42% do custo de produção da fibra.
A entrada do Brasil no BCI é tão importante que, em poucos
anos, elevou a participação do algodão chamado de sustentável
de 7% para 30% da demanda mundial.
A base para o sucesso da lavoura do algodão brasileiro que de
2006 saltou de 1,5 milhão de toneladas para mais de 6,9
milhões em 2019?
Grandes extensões territoriais, uso de pouca água e uma
produção que envolve muitas máquinas, muita química e pouca
geração de emprego. “O capital se apropria da natureza, que é
mercadoria”, escreve Yamê. Atualmente, mercadoria certificada.
Para saber mais sobre moda, matérias-primas, capitalismo e
sustentabilidade, o livro “O Agronegócio do Algodão”, Yamê
Reis (2021 ) está disponível impresso e em versão online.